OPINIÃO: A encomenda "25 de Abril "

Por,
Augusto Deveza Ramos
Sociólogo


O golpe de estado de 25 de Abril de 1974 foi um roubo explicito a um pequeno império encomendado por impérios maiores,  -  ONU, internacional socialista e o consórcio de globalistas liberais  - para colocar Portugal no mapa do endividamento internacional.


1. Pressões a Portugal

O Estado Novo vivia sob fortes pressões internacionais para a descolonização: Portugal não era considerado um pais soberano na ONU e em alguns parceiros da NATO, com direito a territórios que administrou desde séculos. Era considerado usurpador de territórios que só foram reivindicados quando "impérios maiores" começaram a subsidiar a guerrilha nacionalista nas ex-províncias de África, com ideias e armas. Durante a dedada de 60 e 70 Portugal era o ódio de estimação da ONU, o equivalente à situação actual de Israel. A mesma ONU que nunca censurou a China e o seu genocídio de massas - com mortes que ascendem a 50 milhões de pessoas – focava-se em Portugal, cordeiro muito mais apetecível por ser um império pequeno, frágil e conservador, isto é, teimosamente auto-sustentado e livre de divida internacional.
Em 1971, a três anos do golpe de 74, Nixon declara o fim da conversão de dólares em ouro e o FMI confirma-o 2 anos depois, em 1973, quando o ouro deixa de servir como meio de transacção (cenário 'temporário' que dura até hoje). Com isto, Portugal perde um dos seus diques que se solidificava como a 8ª potencia do mundo em ouro, com mais de 800 toneladas do melhor ouro que lhe garantia credibilidade, e viabilidade, em qualquer empréstimo internacional– um trunfo que a 1ª Republica nunca adquiriu e, por isso, nunca conseguia empréstimos estrangeiros.
A guerra do Yon-Kipur no ultimo quarto de 1973 entre os paises árabes e Israel não ajudou. Os EUA forneceram armamento a Israel através da Base das Lajes nos Açores. Quando os paises árabes retaliaram aos paises apoiantes de Israel e a outros envolvidos pelo embargo e aumento do preço do petróleo em quatro vezes, Portugal será um dos atingidos. Em 1973, o custo de vida em Portugal tornava-se exasperadamente alto, muito mais por condições exógenas do que endógenas.

Países nórdicos, como a Noruega e a Holanda, fortemente pressionados por eleitores dos seus governos socialistas e liberais, lideravam uma campanha interna na NATO para expulsão de Portugal da Aliança Atlantica, por colonialismo; esta campanha tinha o apoio moderado do Canadá - o país que comandava a frota da NATO na manhã de 25 de Abril. Portugal criticava esta embaraçada NATO que, por um lado, se recusava a apoiar o governo português em Africa mas mantinha, a qualquer custo, Portugal como aliado crucial pela sua posição geo-estrategica no Atlântico e Mediterrâneo. Mas se a NATO não alimentava cisões internas também não impedia pressões políticas ao regime de Portugal, principalmente na opinião publica, visível pelos ataques de bomba incendiárias em 1972, à embaixada de Portugal em Bruxelas e aos escritórios da TAP.

2. Dentro

O custo de guerra absorvia 40% do orçamento português, quando Marcello Caetano, presidente do Conselho visita, em 1970, as províncias africanas para verificar a aplicação efectiva destes custos. A guerrilha nacionalista nas ex-províncias era financiada por paises comunistas como a União Soviética, Cuba e China, mas tambem por paises nórdicos europeus que usavam organizações não-governamentais – tal como fazem hoje  com os refugiados.
Portugal tinha como aliados, moderados, a França e a Alemanha. Mas também a África do Sul que contava com os militares portugueses para ajudar a controlar as suas fronteiras. Havia entre Portugal e a África do Sul, um tratado secreto de nome 'Alcora', onde ambos os paises acordavam em objectivos comuns: Portugal controlaria a guerrilha em Angola e ajudaria a controlar a fronteira com a África do Sul que retribuía, ajudando Portugal com armamento - o que fez desde o inicio da década de 60 - , e onde se incluia uma tranche de 100 milhões de rands de apoio a Portugal, anulada com o golpe de estado em Lisboa em Abril de 74.
Os militares descontentes orientavam a sua frustração não apenas pelas desigualdades internas que dividiam militares entre os que combatiam no terreno e os privilegiados , os 'do ar condicionado' em Lisboa. Entre isso, o governo de Marcello aumenta a obrigatoriedade das comissões de serviço obrigando a que profissionais sedimentados e pais de família, fossem subitamente destacados para Guerra no ultramar. O que gerou forte indignação, mas apenas numa minoria: as primeiras reuniões de oficiais que contestam as políticas do governo são apenas 17% dos oficiais que assinam os  documentos de participação nas reuniões clandestinas. Os oficiais do Movimento dos capitães eram 703 de um total de 4165, 17% do total.

3. Sociologia dos revoltosos.

Estes oficiais são o fruto de uma mudança "profunda" na composição social das elites militares: segundo a socióloga Maria Carrilho, a partir dos anos 50 do século XX, "a Academia Militar deixa de ser apetecível para as elites urbanas que preferem agora as universidades e empregos mais bem remunerados e com melhor estatuto social". Com o inicio da guerra em 1961, depois de uma investida da UPA, uma organização terrorista armada (apoiada pela Argélia e UNESCO) que dizima em Março desse ano mais de mil pessoas, brancos, nativos, mulheres e crianças, nas fazendas a norte de Luanda, Salazar decidiu pela guerra para proteger os portugueses de Angola. Essa decisão, obrigou a um imediato aumento do quadro permanente militar para os territórios beligerantes em África, Angola, Guiné e Moçambique e patrulha da Índia, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor e Macau.
Como a juventude urbana começa a desvalorizar a carreira militar, esta atrairá uma outra classe emergente, a pequena burguesia rural, que vai encontrar no Colégio Militar uma oportunidade única (e gratuita) de ascenção social - "cama, mesa e roupa lavada" - atraindo jovens de meios rurais, muitos deles socialmente desfavorecidos.
Mas não foi um trajectória pacifica: os dois mundos, rural e urbano, acabaram por colidir, os oficiais de tradição militar, urbanos, mais conservadores solidificavam as suas ideias no patriotismo e continuidade de status, os outros, de origem rural, baixos recursos e 'baixa cultura', não lhes restava senão imitar os modelos, modas, ideias e ideologias estrangeiras para legitimarem as suas posições. É neste processo que é absorvida a cultura de massas e as narrativas da esquerda e liberalismo europeu, na cultura militar. Marcello Caetano admite o drama dias antes do 25 de Abril: "as Forças Armadas não se querem bater em África e os militares jovens estão infiltrados pela esquerda".
A década de 70 é um período de contaminação da cultura europeia em Portugal. Surgem novas revistas, tendências musicais e literárias, a televisão é um fenómeno popular e na generalidade a cultura portuguesa europeíza-se – o Festival da Eurovisão é exemplo disso.
Os militares revoltosos pertencem a esta geração que assiste à emergência da cultura de massas: o pronto-a-vestir a televisão, radio, cultura pop e rock, os Beatles, Rolling Stones e o festival de Woodstock, sedimentam esta cultura. Esta é a geração alvo das meta-narrativas europeias e ocidentais do se. XX: o socialismo, comunismo e o liberalismo, a 'justiça social', que geraram as manifestações estudantis do 'Maio de 68'. A presença de Portugal na NATO foi tambem um factor de influência nas chefias militares portuguesas onde adquiriam novas ideias de organização e tecnologia, como salienta o historiador António Telo, "a NATO foi influencia decisiva nas elites militares portuguesas e no espírito que acabou por derrubar o Estado Novo".

4. A operação

Até Novembro de 1973 as reuniões clandestinas dos militares pugnavam por uma solução política  de negociação com o governo para solucionar o Decreto-Lei 373/73, que obrigava os militares a comissões no ultramar. No dia 24 de Novembro de 1973, precisamente seis meses exactos antes do golpe, numa reunião dos militares em São Pedro do Estoril, o tenente-coronel Luis Banazol, com trajectória conspiracionista na Guiné-Bissau, propõe um golpe militar "seja qual for o seu preço e as suas consequências", o que gerou o espanto da assistência porque anulava o elo legal das reivindicações.
A opção pela via armada não era unânime aceite e já estávamos em 1974, quando a opção dominante era uma sublevação militar no quartel de Sta. Margarida, para pressionar o governo. Foi Otelo quem decidiu pelo golpe militar por temer que a sublevação no quartel de Sta. Margarida obrigasse à intervenção da Espanha ou da NATO – esta ultima que, de facto, esteve presente no 25 de Abril. Para António Telo, historiador, foi "uma revolução demasiado espontânea" e só o foi porque havia pressões, interesses e almofadas estrangeiras.

5. PIDE

António Rosa Casaco, um ex-agente da PIDE em entrevista ao Expresso em 2006, afirma  que "sabíamos que os oficiais intermédios conspiravam", só não sabiam para quando. A PIDE, que conhecia os movimentos do Movimento das Forças Armadas (MFA) e tinha controlado os 200 oficiais envolvidos na falhada revolução do Caldas, intuía que algo estava para acontecer mas não tinha dados seguros, e a acontecer algo seria no 1º de Maio, pelo seu simbolismo ideológico. Presumiam. Vasco Lourenço confirma-o: "semeamos o rumor que aconteceria algo no 1º de Maio, e funcionou". Segundo relatos de Vitor Alves e Otelo, a PIDE sabia que algo se passava porque haviam detectado que os militares foram buscar rádios ao Quartel de Cascais, na noite anterior. A PIDE não terá sido apanhada totalmente de surpresa: um dos inspectores, Alpoim Calvão, esteve na noite do dia 24 para 25 na sede na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, convicto que algo que estava para acontecer naquela noite; de manhã, quando soube do golpe, foi quem deu ordens para queimar todos os documentos. No entanto, dois dos dirigentes máximos da PIDE não estavam em Portugal: Barbieri Cardoso estava em França na SDECE (serviços secretos franceses) e Cunha Paço foi convocado, dois dias antes, para uma reunião da Interpol em Bruxelas, na NATO.

6. NATO

E no dia 25 de Abril a frota STANAVORFLANT, da NATO estava em Lisboa. Tinha chegado dois dias antes. A «Associação 25 de Abril» sugere que a NATO sabia do golpe de estado em Portugal, como descreve na sua pagina da internet: "19 de Abril de 1974 – NATO; Em Megeve (França), na reunião anual do Clube de Bilderberg, - clube em que tomam assento os mais influentes representantes da alta finança mundial -, está presente, entre outros, Joseph Luns, secretário-geral da NATO; ter-se-á tomado conhecimento da iminência de alterações políticas em Portugal e decidido não contrariar a evolução dos acontecimentos, crendo que a mudança política poderia conduzir ao liberalismo económico; a presença de Luns nessa reunião poderá ter determinado o comportamento da NATO no desenrolar do golpe militar de Lisboa". O mesmo sugere o piloto da Força Aérea Portuguesa, Brandão Ferreira, numa referência ao 25 de Abril, "(...) para aparentemente o apoiar, a NATO destacou para Lisboa, discretamente, uma esquadra que assistiu ao desenrolar do mesmo", (in Revista Militar Nº 2607, Abril de 2019). Ambos indicadores que permitem presumir que o golpe teve influência e conhecimento antecipado de estrangeiros, mesmo que 'aliados'.

A frota da NATO no dia 25 de Abril era comandada pelo Canadá, um país critico à presença de Portugal na NATO, um facto frequentemente desvalorizado na narrativa do 25 de Abril, nos media e na história. Os 'capitães de Abril' nunca o mencionam.. Há apenas uma menção do Almirante Rosa Coutinho à presença da NATO e uma referência do Movimento da Marinha no episódio da Fragata Gago Coutinho, "(...) embora a presença da NATO nos preocupasse".
A NATO teve um papel de "neutralidade activa" no 25 de Abril (tradução: pró-golpe de estado mas com rasto antecipadamente limpo), como vamos ver. A Fragata Gago Coutinho, comandada por Seixas Louçã, estava escalada para o exercício NATO, denominado «Dawn Patrol», para a manhã de 25 de Abril. Quando a frota descia o Tejo já debaixo da (então) Ponte Salazar, a Gago Coutinho foi interceptada por uma mensagem, através dos serviços portuários, do almirante Jaime Lopes do Estado-Maior da Armada, que ordenava abandonar o exercício da NATO, voltar para para o Terreiro do Paço e se preparar para disparar. O Comandante Seixas Louçã (pai de Francisco Louçã) obedeceu à ordem, mas não totalmente porque não tinha conhecimento do que realmente estava a acontecer.

O comandante Robert H. Thomas, de um dos navios da NATO, o canadiano 'Assiniboine', estacionado na doca de Lisboa, relata que a Fragata Gago Coutinho rondou o navio canadiano e  obrigou-o a "preparar-se para o mais alto nível de guerra" - relato na pagina da Marinha Canadiana. A NATO, uma organização inteligente, sabia concerteza do golpe, a France Press emite a primeira linha de noticias ás 5:30 da manhã, pouco tempo depois de Marcello Caetano saber dos movimentos, e Thomas, escreve em Julho que havia um golpe de estado em Portugal e a NATO "foi apanhada por coincidência", não mencionando a suspensão da Fragata Gago Coutinho do exercício. A presença da NATO durante o golpe de estado foi rasurada quer pela aliança atlãntica, quer pela golpistas. Há ainda o rumor não confirmado, que os cravos  espalhados em Lisboa tinham chegado dois dias antes, vindo do Chile, em contentores da NATO.

7. A encomenda

É como se o 25 de Abril seja o produto de uma "subtil encomenda": é accionada uma tempestade ideológica internacional, revelada pelas sanções da ONU, FMI, criticas na NATO e crise financeira internacional (fim da referência ouro, crise do petróleo), que pressiona o Estado Novo a tomar contra-medidas e favorece a erupção de um grupo social especifico (militares contaminados pela esquerda) para derrube do regime, colocando fatalmente o país enfraquecido na alçada da mega banca internacional que accionou essa tempestade.
Henry Kissinger é um exemplo desse circuito: está com Nixon na origem da criação do petro-dólar em 71 (fim do ouro em referencia ao dólar, logo, desvalorização do ouro português), um instrumento de negociação com os paises árabes; esse Kissinger estará na origem da requisição da Base das Lajes em 1973, para abastecer Israel na guerra do Yon Kipur, os árabes retaliam aos colaboradores de Israel e Portugal sofrerá, por isso, um pesado embargo de petróleo árabe, causa incendiária do golpe do 25 de Abril e do novo regime, para o qual é Kissinger quem aconselha Frank Carlucci (vindo do Chile, onde há cravos vermelhos) para embaixador dos EUA em Lisboa - ambos seriam mencionados por testemunhas como protagonistas no crime de Camarate, em 1980, que envolve Lisboa no tráfego de armas dos EUA para o Irão.

Conclusão

O 25 de Abril foi um episódio gerado em contexto de ascenção da internacional socialista que infiltrou a NATO e minou as alianças do Estado Novo. O programa do MFA era uma capitulação deliberada ao liberalismo da banca internacional, atacando a inflacção com endividamento, ocultando os partidos políticos e concedendo liberdade de expressão apenas à casta golpista. Os militares não geraram nenhuma democracia, nem liberdade, como se verificou. E a liberdade que Portugal alcançou foi a de perder território e, em dois anos, 200 toneladas do ouro criado pela visão de Salazar, que ainda hoje é o mais sério avalista de quando batemos à porta da banca internacional. Ganharam os banqueiros globalistas, não os portugueses que gramaram uma sinuosa democracia com divida eterna anexada.
Quase 50 anos depois, temos mais educação, saúde, habitação e lobies sérios nestas áreas;  as ex-províncias africanas são palco de genocídio e tribalismo; o 25 de Abril conseguiu colocar Portugal na 4ª posição dos mais caloteiros do mundo, com a actual divida de 140% do PIB - quando em 23 de Abril de 1974 era apenas 13% do PIB –, perda de metade do ouro, entre constantes 'generosas' transferências de poder para a União Europeia, FMI e até ONU/China, que nos vigia a generosa área marítima com satélites monitorizados perto de Pequim. Portugal é hoje um mero produto da infeliz engenharia globalista.
O que aconteceria se o 25 de Abril tivesse falhado?


deveza.ramos@gmail.com

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