Os fumadores são filósofos

por Raúl A. Ramos

Existem 2 tipos de pessoas no mundo: os que fumam e os que não fumam. Segundo a OMS, estima-se que 13 % da população mundial consome tabaco, logo 1 bilhão de sujeitos no planeta é enxovalhado pelos indivíduos que não fumam, não só por desrespeitarem as leis da saúde como a saúde deles. Dizem os médicos que este tipo de pessoa só fuma por causa do carácter aditivo do cigarro, que tem a dita substância que provoca todo este vício – a nicotina. Por motivos óbvios, a população jovem não fuma por querer viciar em "pauzinhos" fumegantes, mas sim pela impressão de maturidade ou, em muitos casos, por conformismo, que se manifesta, quer eles queiram quer não, inconscientemente. Quando observamos um colega a ausentar-se por uns minutos para alimentar os seus rituais tabágicos pensamos: " lá vai ele fumar" ou "coitado" ou, ainda, "que estúpido". Sabendo da verdade acerca do tabaco, afirmo que já não penso da mesma maneira. Eliminei da minha cabeça as consequências letais do tabaco. Ignorei o que os não fumadores dizem dos fumadores. 
Passei a ter mais compaixão pelos que fumam. Acabo, assim, de apresentar um novo tipo de pessoa no mundo: os que admiram os fumadores. Entenda-se os admiradores de fumadores como pessoas que falam, estudam e observam fumadores nas diversas circunstâncias do dia. Sendo eu um desse tipo de pessoa, reconheço que vou ser alvo de crítica e escárnio por parte do grupo dos não fumadores. No entanto, mantenho a minha admiração. 

Voltando à situação hipotética, referida anteriormente, do colega que se ausenta, um admirador de fumadores pensa para si mesmo: "que homem excepcional"; "tanta sabedoria"; "tão poético". Todo este fascínio parece insano, mas a verdade é que os fumadores são filósofos autênticos. Esta ideia baseia-se no acto de "ir fumar": ausentar-se de um espaço barulhento/artificial/como (muitas) pessoas para um lugar de preferência pouco ou nada claustrofóbico, com vista para a cidade/campo/mar, onde possa estar sozinho ou com alguém que também fume (o acto deixa de ser invalido se estiver presente um não fumador). Podemos dizer, então, que o ato de "ir fumar" representa metaforicamente o refúgio ao inóspito e a rendição do homem à morte, sabendo que esta é o canudo onde se chupa o fumo. Que valentes são os fumadores! Não confundamos filósofos de carreira que fumam com filósofos de carreira que não fumam, isto porque o filósofo de carreira que fuma antes de ter ingressado na faculdade de letras no curso de filosofia ou já fumava ou estava prestes a começar a fumar, logo já era filósofo, enquanto que o outro é apenas e só filósofo de carreira e pertence ao grupo dos não fumadores. Porém, a beleza desta tese centra-se no facto de o fumador não saber que é filósofo, possuindo, apenas, um sentimento deambulatório de que é consciente. Só os que admiram o fumador é que sabem desta verdade e mesmo que um admirador confesse a um fumador acerca da sua verdadeira existência, este mandá-lo-á para um sítio bem longe. Existe no fumador traços de intelectualidade e, também, de uma certa estética, que podemos identificá-los na posição do corpo que é ou com as pernas ligeiramente abertas ou totalmente encostados na cadeira ou inclinados sob um corrimão de uma varanda, no olhar que dão aos objectos, às pessoas ou aos livros, onde normalmente franzem os olhos ou arregalam ao mesmo tempo que estabelecem um olhar fixo ao horizonte, na maneira como "travam" e cospem o fumo do cigarro, que tanto pode ser sob o efeito de "cascata" ou "nariz de touro" ou "boca de dragão" ou "bolinhas de fumo" ou "jacto fino que se move em diferentes direcções" ou outra coisa qualquer. Sabendo que as poses, os olhares e os efeitos de fumo são limitados, os fumadores tendem a estabelecer padrões de condutas para se poderem diferenciar dos outros. Este hábito acontece frequentemente: tal como Saramago está para os pontos e as virgulas, um fumador qualquer está para as "bolinhas de fogo".

Os fumadores são filósofos. Os fumadores serão sempre filósofos. Os fumadores têm de ser filósofos. Peço ao grupo dos não fumadores que não banem o cigarro da história nem dos que fumam nem dos que fumavam. O que seria de Charles Bukowski se lhe tirassem o cigarro? E da Audrey Hepburn? Patty Smith? Marcello Mastroianni? Che Guevara? Winston Churchil? Este pluralismo estético e este acto de pensamento infinito não pode acabar.           

Comentários