Por,
Augusto Deveza Ramos
Sociólogo
Recentemente foi despoletado um escândalo à volta da industria farmacêutica, num sinistro caso que teria passado despercebido se Donald Trump, presidente dos EUA, não decidisse combater uma epidemia devastadora para a população americana: o consumo de heroína.
Assim, soube-se que os consumidores de heroína carregam uma historia farmacológica: 4 em cada 5 consumidores de heroína foram legalmente prescritos com opióides por médicos. Significa isto, que os opióides prescritos, geram intensa dependência, e que os seus "beneficiários" só podem obter alívio de dor, ou com mais opioides ou com a heroína mais barata.
Trump declarou "emergência de saúde pública", para combater esta epidemia que gerou mais mortos que a guerra do Vietname e do Afeganistão juntos. E sem ruído.
Mas isto não é acidental. Pelo contrário, é o resultado da ganância de uma familia: os Sacklers. Uma das 12 familias mais ricas dos Estados Unidos, com uma fortuna avaliada em 13 biliões de dólares, enriquecidos precisamente com o comércio de opióides que conseguiram colocar no mercado por vias manhosas.
1. Como começou?
Nos finais do sec XIX três irmãos, psiquiatras, fundaram uma pequena empresa de medicamento em Brooklyn, Nova York. Chamam-se Arthur, Mortimer e Raymond Sackler.
Em meados do sec XX, em 1950, os irmãos Sackler compraram uma pequena farmacêutica, a Purdue Pharma - uma farmacêutica que gerava lucros com laxantes, removedores de cera de ouvido e antissépticos de cirurgias.
Durante os anos sessenta, Arthur tornou-se rico no marketing de calmantes Librium e Valium: uma campanha que incitava os médicos a prescrever o Valium escondendo a viciação do medicamento e posteriores danos psiquiatricos.
Os Sacklers começaram então a produzir analgésicos na Purdue. Esta produção impulsionou os Sackler e a Prudue Pharma: nos anos 80 era uma das maiores farmacêuticas mundiais. Mas não foram os primeiros analgésicos que 'bilionarizaram' os Sacklers. Foi um poderoso analgésico, o OxyContin, começado a produzir em 1995; um medicamento baseado em opióides - três vezes mais forte do que a morfina - e que serve para combater dores crónicas.
Brandon Marshall, professor de epidemiologia da Universidade de Brown, esclarece: "O OxyContin é um analgésico que usa a tebaína, uma substância derivada do ópio, ou seja, da familia da heroína". Este medicamento, para além da alta capacidade de neutralizar a dor, é tambem altamente viciante.
O inédito é que até ao OxyContin, os médicos americanos muito raramente receitavam opióides - um quase 'tabu' na classe médica. Mas os Sacklers conseguiram, com esquemas obscuros e marketing agressivo, colocar tragicamente este viciante medicamento nas prescrições diárias da saúde americana. Com isto, em 2001, o OxyContin dos Sacklers gerava 1,6 biliões de dólares, com vendas o superiores até ao popular Viagra.
2. O "óleo da máquina"
Isto só foi possivel porque os Sacklers, convenceram classe médica suficiente, para se libertarem da 'opiofobia' - tabu do uso maléfico de opióides. A classe médica sabia que o uso de opióides era altamente viciante, mas os Sacklers conseguiram libertar esse bloqueio dos medicos no público, através de subornos e outros 'discretos incentivos'.
Marshall, o citado epidemologista, revelou numa pesquisa realizada para o American Journal of Public Health, que a Purdue Pharma, dos Sacklers, pagou 46 milhões de dólares a 68 mil médicos americanos, para os incitar a receitarem o OxyContin. E isto apenas em 2 anos, entre 2013 e 2015.
Em 2016, os Sacklers eram já uma das familias mais ricas dos EUA. Mas é um enriquecimento negro: o OxyContin gerou uma epidemia desastrosa, gerando mais mortes que as guerras recentes em que os EUA estiveram envolvidos. Entre 2000 e 2016, a epidemia negra causou 200.000 mortes. E 80% dos actuais dependentes de 'heroína', nos EUA, foram prescritos com opióides viciantes pelos seus médicos.
Mas a operação foi mais longe: os Sacklers financiaram campanhas e candidatos politicos nos EUA. O Partido Democrata foi o mais beneficiado pelo dinheiro negro dos Sacklers.
O ex-Senador Joe Lieberman, Democrata, (ex-vice-presidente da candidatura de Al Gore) foi o mais apoiado pelo dinheiro sangrento dos Sacklers. Votou, entre outros cismas, contra a redução de preços de medicamentos (Washington Post, 2000). Mas há mais: Hillary Clinton, Barack Obama e John McCain, estão confirmados entre os democratas beneficiários das prestações da Purdue. Mitt Romney foi o republicano que mais recebeu da Purdue. A mulher de Liberman fez tambem lobie no sector farmacêutico.
A Purdue, e outras farmacêuticas, subornavam altos funcionários do governo central para contornar - e até destruir - legislação que limitava o uso de opiácios. Ao todo, usou mais de 800 milhões de dolares para essa propaganda. O objectivo desta propaganda, era suavizar os efeitos secundários do Oxycontin e esconder a sua alta adicção. Os Sacklers subrornavam ainda empresas de certificação de hospitais publicos, para incitarem a prescrição do OxyContin. Assim se gerou a epidemia dos opióides.
3. Dinheiro negro
À medida que o consumo desses medicamentos aumentava nos EUA - e a fortuna dos Sackers disparava para os 13 biliões -, o uso de opióides causava uma catastrófica epidemia com uma magnitude de mortes sem precedentes.
Em 2018, morreram 60 mil pessoas nos EUA, por overdose de opiáceos (substâncias derivadas do ópio). Não directamente pelo OxyContin, mas por heroina. Só que o OxyContin está na origem desta epidemia de mortes: é um analgesico tão viciante, que os pacientes quando não conseguem prescrição medica ou não têm dinheiro, recorrem à heroína. As companhias de seguros (nos EUA, os cidadãos não tem segurança social, fazem seguros de saúde com companhias de seguros) recusavam-se a fianaciar doses adicionais aos seus pacientes. Isto gerou uma tragédia: o OxyContin tornava-se inacessível aos viciados, que recorriam agora à heroína, mais barata. Alguns pacientes começaram mesmo a vender o OxyContin nas ruas, a 1 dolar por miligrama.
Daí a fatalidade do medicamento do Sacklers, que os enriqueceu.
4. O cinismo filantrópico
À semelhança de outras fortunas cínicas, os Sacklers exercem a filantropia como forma de 'lavar imagem'. Os Sacklers são reconhecidos doadores para várias instituições, principalmente das artes, como a Tate Gallery, Louvre, Museu de Londres, National Gallery de Londres, Victoria and Albert Museum; e também a Cambridge University, Oxford University, Universidade de Tel Aviv - ao todo, são dezenas de instituições, por todo o mundo, patrocinadas com centenas de milhões de dólares negros, provenientes desta epidemia dramática: os opióides.
Os Sacklers nunca doaram dinheiro a centros de reabilitação ou investiram em prevenção.
5. Fim do esquema
Em 2007, a Purdue Pharma admitiu culpa e foi condenada a pagar 600 milhões de dóares - na altura uma das históricas condenações a farmacêuticas.
Arthur e Mortimer Sackler faleceram há poucos anos, apenas Richard Sackler e outros dois membros da familia estão agora indiciados para um processo judicial massivo, que os acusa de propagadores da epidemia da dependência de ópioides. A Purdue está ainda indiciada em centenas de processos judiciais, federais e locais, em todos os EUA.
6. Purdue, é o ópio do povo
A Purdue opera mundialmente. Para alem dos EUA, seu mercado principal, opera ainda no México e na China.
Na Península Ibérica, a Purdue usa a MUNDIPHARMA para a sua operação de opiáceos. Aqui, a farmacêutica negra usa o termo "opiofobia" para afastar a atenção pública dos perigos do uso de opiáceos. Em 2018, a Mundipharma pagou 2,7 milhões de euros a profissionais de saúde espanhois, entre outras doações "estratégicas".
3. Conclusão e prevenção
Estudos comparativos mostram que o uso de opiácios não é melhor que medicamentos não-opiácios. É tudo uma questão da pressão das farmacêuticas junto dos médicos - uma perniciosa operação que pode vir a criar novos viciados em heroína, na Península Ibérica como aconteceu nos EUA.
Se souber de casos de prescrição de opióides, baseando-se nesta informação, denuncie o caso às autoridades médicas e ao máximo de organizações que conseguir, de forma a reverter o lobie sinistro dos opiácios. Use o maximo de opiniões que conseguir.
Há muitos mais médicos, psiquiatras, psicólogos contra o uso de opiácios do que se possa pensar. Nos EUA, o escândalo causou tanta revolta -mesmo na classe médica - que gerou promessas públicas de vingança; e um juiz encarregue do caso, prevê que o processo aos Sacklers possa levar à confiscação de toda a propriedade dos Sacklers para pagar indemnizações às famílias de 200.000 vítimas fatais, sem contar os que conseguiram ficar em reabilitação.
aumadera@gmail.com
Augusto Deveza Ramos
Sociólogo
Recentemente foi despoletado um escândalo à volta da industria farmacêutica, num sinistro caso que teria passado despercebido se Donald Trump, presidente dos EUA, não decidisse combater uma epidemia devastadora para a população americana: o consumo de heroína.
Assim, soube-se que os consumidores de heroína carregam uma historia farmacológica: 4 em cada 5 consumidores de heroína foram legalmente prescritos com opióides por médicos. Significa isto, que os opióides prescritos, geram intensa dependência, e que os seus "beneficiários" só podem obter alívio de dor, ou com mais opioides ou com a heroína mais barata.
Trump declarou "emergência de saúde pública", para combater esta epidemia que gerou mais mortos que a guerra do Vietname e do Afeganistão juntos. E sem ruído.
Mas isto não é acidental. Pelo contrário, é o resultado da ganância de uma familia: os Sacklers. Uma das 12 familias mais ricas dos Estados Unidos, com uma fortuna avaliada em 13 biliões de dólares, enriquecidos precisamente com o comércio de opióides que conseguiram colocar no mercado por vias manhosas.
1. Como começou?
Nos finais do sec XIX três irmãos, psiquiatras, fundaram uma pequena empresa de medicamento em Brooklyn, Nova York. Chamam-se Arthur, Mortimer e Raymond Sackler.
Em meados do sec XX, em 1950, os irmãos Sackler compraram uma pequena farmacêutica, a Purdue Pharma - uma farmacêutica que gerava lucros com laxantes, removedores de cera de ouvido e antissépticos de cirurgias.
Durante os anos sessenta, Arthur tornou-se rico no marketing de calmantes Librium e Valium: uma campanha que incitava os médicos a prescrever o Valium escondendo a viciação do medicamento e posteriores danos psiquiatricos.
Os Sacklers começaram então a produzir analgésicos na Purdue. Esta produção impulsionou os Sackler e a Prudue Pharma: nos anos 80 era uma das maiores farmacêuticas mundiais. Mas não foram os primeiros analgésicos que 'bilionarizaram' os Sacklers. Foi um poderoso analgésico, o OxyContin, começado a produzir em 1995; um medicamento baseado em opióides - três vezes mais forte do que a morfina - e que serve para combater dores crónicas.
Brandon Marshall, professor de epidemiologia da Universidade de Brown, esclarece: "O OxyContin é um analgésico que usa a tebaína, uma substância derivada do ópio, ou seja, da familia da heroína". Este medicamento, para além da alta capacidade de neutralizar a dor, é tambem altamente viciante.
O inédito é que até ao OxyContin, os médicos americanos muito raramente receitavam opióides - um quase 'tabu' na classe médica. Mas os Sacklers conseguiram, com esquemas obscuros e marketing agressivo, colocar tragicamente este viciante medicamento nas prescrições diárias da saúde americana. Com isto, em 2001, o OxyContin dos Sacklers gerava 1,6 biliões de dólares, com vendas o superiores até ao popular Viagra.
2. O "óleo da máquina"
Isto só foi possivel porque os Sacklers, convenceram classe médica suficiente, para se libertarem da 'opiofobia' - tabu do uso maléfico de opióides. A classe médica sabia que o uso de opióides era altamente viciante, mas os Sacklers conseguiram libertar esse bloqueio dos medicos no público, através de subornos e outros 'discretos incentivos'.
Marshall, o citado epidemologista, revelou numa pesquisa realizada para o American Journal of Public Health, que a Purdue Pharma, dos Sacklers, pagou 46 milhões de dólares a 68 mil médicos americanos, para os incitar a receitarem o OxyContin. E isto apenas em 2 anos, entre 2013 e 2015.
Em 2016, os Sacklers eram já uma das familias mais ricas dos EUA. Mas é um enriquecimento negro: o OxyContin gerou uma epidemia desastrosa, gerando mais mortes que as guerras recentes em que os EUA estiveram envolvidos. Entre 2000 e 2016, a epidemia negra causou 200.000 mortes. E 80% dos actuais dependentes de 'heroína', nos EUA, foram prescritos com opióides viciantes pelos seus médicos.
Mas a operação foi mais longe: os Sacklers financiaram campanhas e candidatos politicos nos EUA. O Partido Democrata foi o mais beneficiado pelo dinheiro negro dos Sacklers.
O ex-Senador Joe Lieberman, Democrata, (ex-vice-presidente da candidatura de Al Gore) foi o mais apoiado pelo dinheiro sangrento dos Sacklers. Votou, entre outros cismas, contra a redução de preços de medicamentos (Washington Post, 2000). Mas há mais: Hillary Clinton, Barack Obama e John McCain, estão confirmados entre os democratas beneficiários das prestações da Purdue. Mitt Romney foi o republicano que mais recebeu da Purdue. A mulher de Liberman fez tambem lobie no sector farmacêutico.
A Purdue, e outras farmacêuticas, subornavam altos funcionários do governo central para contornar - e até destruir - legislação que limitava o uso de opiácios. Ao todo, usou mais de 800 milhões de dolares para essa propaganda. O objectivo desta propaganda, era suavizar os efeitos secundários do Oxycontin e esconder a sua alta adicção. Os Sacklers subrornavam ainda empresas de certificação de hospitais publicos, para incitarem a prescrição do OxyContin. Assim se gerou a epidemia dos opióides.
3. Dinheiro negro
À medida que o consumo desses medicamentos aumentava nos EUA - e a fortuna dos Sackers disparava para os 13 biliões -, o uso de opióides causava uma catastrófica epidemia com uma magnitude de mortes sem precedentes.
Em 2018, morreram 60 mil pessoas nos EUA, por overdose de opiáceos (substâncias derivadas do ópio). Não directamente pelo OxyContin, mas por heroina. Só que o OxyContin está na origem desta epidemia de mortes: é um analgesico tão viciante, que os pacientes quando não conseguem prescrição medica ou não têm dinheiro, recorrem à heroína. As companhias de seguros (nos EUA, os cidadãos não tem segurança social, fazem seguros de saúde com companhias de seguros) recusavam-se a fianaciar doses adicionais aos seus pacientes. Isto gerou uma tragédia: o OxyContin tornava-se inacessível aos viciados, que recorriam agora à heroína, mais barata. Alguns pacientes começaram mesmo a vender o OxyContin nas ruas, a 1 dolar por miligrama.
Daí a fatalidade do medicamento do Sacklers, que os enriqueceu.
4. O cinismo filantrópico
À semelhança de outras fortunas cínicas, os Sacklers exercem a filantropia como forma de 'lavar imagem'. Os Sacklers são reconhecidos doadores para várias instituições, principalmente das artes, como a Tate Gallery, Louvre, Museu de Londres, National Gallery de Londres, Victoria and Albert Museum; e também a Cambridge University, Oxford University, Universidade de Tel Aviv - ao todo, são dezenas de instituições, por todo o mundo, patrocinadas com centenas de milhões de dólares negros, provenientes desta epidemia dramática: os opióides.
Os Sacklers nunca doaram dinheiro a centros de reabilitação ou investiram em prevenção.
5. Fim do esquema
Em 2007, a Purdue Pharma admitiu culpa e foi condenada a pagar 600 milhões de dóares - na altura uma das históricas condenações a farmacêuticas.
Arthur e Mortimer Sackler faleceram há poucos anos, apenas Richard Sackler e outros dois membros da familia estão agora indiciados para um processo judicial massivo, que os acusa de propagadores da epidemia da dependência de ópioides. A Purdue está ainda indiciada em centenas de processos judiciais, federais e locais, em todos os EUA.
6. Purdue, é o ópio do povo
A Purdue opera mundialmente. Para alem dos EUA, seu mercado principal, opera ainda no México e na China.
Na Península Ibérica, a Purdue usa a MUNDIPHARMA para a sua operação de opiáceos. Aqui, a farmacêutica negra usa o termo "opiofobia" para afastar a atenção pública dos perigos do uso de opiáceos. Em 2018, a Mundipharma pagou 2,7 milhões de euros a profissionais de saúde espanhois, entre outras doações "estratégicas".
3. Conclusão e prevenção
Estudos comparativos mostram que o uso de opiácios não é melhor que medicamentos não-opiácios. É tudo uma questão da pressão das farmacêuticas junto dos médicos - uma perniciosa operação que pode vir a criar novos viciados em heroína, na Península Ibérica como aconteceu nos EUA.
Se souber de casos de prescrição de opióides, baseando-se nesta informação, denuncie o caso às autoridades médicas e ao máximo de organizações que conseguir, de forma a reverter o lobie sinistro dos opiácios. Use o maximo de opiniões que conseguir.
Há muitos mais médicos, psiquiatras, psicólogos contra o uso de opiácios do que se possa pensar. Nos EUA, o escândalo causou tanta revolta -mesmo na classe médica - que gerou promessas públicas de vingança; e um juiz encarregue do caso, prevê que o processo aos Sacklers possa levar à confiscação de toda a propriedade dos Sacklers para pagar indemnizações às famílias de 200.000 vítimas fatais, sem contar os que conseguiram ficar em reabilitação.
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