OPINIÃO: 2020, ano das revoltas populares e falsas epidemias

Por,
Augusto Deveza Ramos
Sociólogo



Previsões anunciam este ano 2020 como uma época de revoltas na rua, conflitualidade e mudanças drásticas em todo o planeta. Mas tudo o que está para acontecer é uma mudança de um sistema económico velho e elitista, para um novo, baseado na soberania e na decisão popular.

1. Avisos do FMI

No inicio do ano, a presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI) Kristalina Georgieva, advertiu que pode ocorrer uma nova grande depressão em 2020 ou em 2021, um cataclismo económico "devido ao aumento da desigualdade social e instabilidade financeira" no planeta.  Georgieva afirmou, durante uma conferência de imprensa para divulgar o World Economic Outlook (um relatório de previsões económicas e sociais), que actualmente se estão a verificar as mesmas tendências de 1920 que conduziram à Grande depressão de 1929. Georgieva denunciou a desigualdade económica, cada vez mais crescente, entre os mais ricos e os mais pobres. Um facto ilustrado pelo caso inglês, em que os 10% de elite financeira inglesa controla 50% da riqueza. Facto confirmado pela OCDE - Organisation for Economic Co-operation and Development): a desigualdade económica planetária atingiu níveis recorde.
Para esta desigualdade concorrem factores emergentes como o proteccionismo económico, 'ambientalismo', acordos multilaterais principalmente de telecomunicações, concluiu Kristalina Georgieva.
A próxima década, ameaça Georgieva, será composta por conflitualidade social e instabilidade financeira: "se a desigualdade social favorece o crescimento económico, também aumenta o populismo", afirmou a chefe do FMI que elogiou ainda a China por recentemente ter tido "acesso ao mercado financeiro" (tradução: endividou-se fatalmente).

2. Factos

A crise financeira de 1929 não se deveu a nenhuma intoxicação do mercado e ou em particular da bolsa como nos ensinaram na propaganda. Aconteceu precisamente porque os bancos centrais (congéneres do actual FMI) emprestavam avulsamente e endividavam insustentavelmente os países. A mesma situação está a ocorrer agora. Georgieva elogia a China não revelando que é o endividamento que potencia o desastre. Mais: a desigualdade económica deriva precisamente porque os paises tem acesso fácil a crédito internacional (sob baixos juros) que aumenta a divida (o e faz aumentar os impostos (para pagar a divida). Este ciclo vai gerar descontentamento e estagnação, os sentimentos de desigualdade e injustiça que gerarão motins sociais. É o dinheiro fácil, o crédito, que gera sentimentos de injustiça e consequentes revoltas.
É um facto que o fosso entre os ricos e pobres é cada vez maior. Gerald Celente, editor do Trends Journal, mostrou que três bilionários, Bill Gates (Microsoft), Joseph Bezos (Amazon) e Warren Buffet (investidor financeiro), têm mais riqueza juntos do que metade da população norte-americana. E no planeta, 26 pessoas são mais ricas do que metade da população mundial. Mesmo nas organizações e empresas, está a aumentar a distância salarial entre os cargos de topo e os cargos inferiores
A desigualdade é evidente. Está-se a criar o cenário catastrófico planeado pela globalização, não uma sociedade sem classes, como difunde o socialismo, mas precisamente a sociedade de duas classes como pratica esse mesmo socialismo: a elite, hiper-rica e os outros, avulsamente chamados 'povo' ou 'cidadãos'. Uma elite hiper-rica e influente e o resto, os contribuintes e 'felizes eleitores'.
Para este cenário concorreu fortemente o sistema de bancos centrais (a que o FMI pertence) e que tende a acabar. O que o FMI está a divulgar nas suas previsões para a próxima década é o seu próprio epílogo, não necessariamente uma crise mundial. Estejamos atentos.

3. Futuro

Donald Trump é o líder de uma reforma financeira internacional que visa excluir os bancos centrais (FMI, BCE, World Bank,etc.) dos negócios e tratados entre paises. Estes bancos estavam habituados a "pôr a pata" em tudo o que era negocio entre dois países. Não em favor de uma qualquer justiça económica, mas em beneficio de uma elite burocrática meramente gestora de negócios alheios. Trump acabou com isso. Por isso os bancos internacionais, que financiam a mainstream media, o odeiam tanto. Estes media comprometidos divulgam propaganda 'anti-Trump' porque sabem que este 45º presidente dos EUA vai acabar com o sistema de bancos centrais (em que o FMI se encontra) e suas aristocráticas e vitalícias mordomias - onde se inclui o financiamento de impérios mediáticos.
Não nos assustemos. Quem se assustará será a elite financeira mundial, que estava habituada a insurgir necessidades e endividamento a paises necessitados para reprodução dos seus lucros. Trump acabou-lhes com o esquema: primeiro obrigou que a Reserva Federal (o banco central dos EUA) baixasse as taxas de juro e divulgasse estímulos à economia americana; em consequência, os bancos internacionais para competirem com a vitalidade da economia dos EUA tambem baixaram as taxas de juro, como o Banco Central Europeu. Mas, a economia europeia não é como a norte-americana, esta, muito mais livre e, de longe, muito menos regulada. Por isso, o presidente do Banco de Inglaterra, afirmou que "em breve, a europa não terá capacidade de resposta para este nível de economia de baixos juros"; o mesmo afirmou a inenarrável Cristine La Garde, presidente do Banco Central Europeu. Basicamente, ambos confirmam que a Europa 'não tem pedal' para Donald Trump.

4. Protestos mundiais.

Esta luta entre bancos centrais e soberanias tem sido a principal peça nos bastidores da política internacional. Os primeiros querem controlar as soberanias em nome da justiça social mas só beneficiam as elites; os segundos só querem ser livres e fazer do povo mais próspero e menos asfixiados por impostos. Esta dialética não pode deixar de mostrar os seus efeitos no quotidiano dos cidadãos de todo o planeta. Há de facto um conflito dialético entre o povo e os governos: os primeiros exigem melhorias e os segundos retraem-se ou comprometem-se em endividamento – quando retrair endividamento é estagnar a economia e contrair endividamento e aumentar o descontrole e a corrupção. Este cenário vai forçar as tensões entre governantes e governados. Foi o que aconteceu em 2019 (e vai aumentar em 2020): revoltas sociais por todo o planeta. O que indica o fim de um ciclo, manifestado por populações cada vez mais descontentes.

5. Focos de protestos no planeta.

Eis uma breve lista de países onde houve massivas e significativas revoltas durante o ano de 2019. A corrupção e a desigualdade foram os motivos principais, mas também a autonomia política e liberdade individual foram catalisadores das revoltas.

América do Sul

Bolívia: protestos contra a eleição fraudulenta de Evo Morales que se demitiu e fugiu para o México; 31 mortos.
Chile: os chilenos reivindicaram mais igualdade, saúde e mais investimento na educação; 22 mortos.
Colômbia: manifestações de 250.000 colombianos denunciaram a corrupção, a falta de estratégia nacional e o assassinato de activistas de direitos humanos; 3 mortos.
Equador: manifestantes combateram as políticas de austeridade drástica do presidente Lenin Moreno.
Peru: manifestações contra a instabilidade política do presidente Martin Vizcarra, depois de este ter dissolvido o parlamento; 56 mortos.
Haiti: manifestações em Fevereiro, contra a corrupção do presidente Jovenel Moïse; 40 mortos.

Médio Oriente

Algeria: 3 milhões de algerianos contestaram a quinta recandidatura do presidente Abdelaziz Bouteflika.
Egipto: manifestações no Cairo, Alexandria e outras cidades contra funcionários do estado corruptos; 4.000 detidos, incluindo 100 crianças e 11 jornalistas.
Irão: no passado Novembro os iranianos manifestaram-se em 22 cidades contra o aumento de 50% no preço da gasolina; 140 mortos e mais de 1000 detidos.
Iraque: protestos contra a corrupção do governo; 350 mortos e mais de 1000 feridos.
Líbano: os protestos para reivindicar novo governo, empregos, melhores serviços, electricidade, água e saúde.

Ásia

China/Hong Kong: mais de 2 milhões de manifestantes contra leis chinesas que limitavam a autonomia da região; a China invadiu Hong Kong; morreram 2 pessoas.
Indonésia: protestos denunciaram a corrupção do estado, leis que penalizavam insultos ao presidente, baniam o sexo extra-marital e as relações homosexuais; 2 mortos.

Europa

Rússia: manifestações em Moscovo denunciaram a remoção de listas de concorrentes da oposição; 1500 detidos.
Republica Checa: 200.000 pessoas exigiram a demissão do Primeiro Ministro Andrej Babis sob alegações de corrupção e fraude.
França: protestos semanais dos "coletes amarelos" exijem mais justiça social, ampliados por manifestações contra o corte das pensões; revoltas significativas de agricultores; manifestações de bombeiros franceses em Paris; vários feridos, pelo menos 150 detidos.
Holanda: milhares de agricultores holandeses manifestaram-se posicionando-se com tractores na rua contra as alegações de 'ambientalistas' que a agricultura "polui o ambiente".
Espanha: constantes manifestações para a independência da região da Catalunha, reforçadas por manifestações contra a condenação exagerada de nove dos separatistas catalães por referendo ilegal em 2017.

África
Protestos no Sudão, Zimbabwe, África do Sul, Camarões e Mali.

Outras inúmeras manifestações em todo o mundo como em Portugal, Venezuela, Brasil, Arábia Saudita, Inglaterra e outros paises, mas sem significado politico dramático. E ainda uma massiva e silenciada crise humanitária no Iémen, um país sob fogo da Arábia Saudita.

6. A qualidade dos protestos

A fúria popular marcou o ano de 2019: Paris, Catalunha, la Paz, Bagdad, Budapeste, Londres Santiago, Jacarta, Moscovo foram algumas das cidades onde se reuniram milhares de manifestantes, por motivos diferentes mas todos com um objectivo em comum: é necessário mudar o contrato social entre os cidadãos e o estado.
Outras característica em comum é a de serem tendencialmente mais pacificas e por isso mais desafiadores aos governos. Manifestações históricas, como a revolução francesa, revoltas anarquistas no início do século XX, greves e até a manifestação estudantil de 1968, em França, usaram a violência como inflamação. Não é mais assim. A dissidência mudou de características: em 2019, as demonstrações pacíficas foram melhor sucedidas do que as violentas (estas acabam por legitimar a resposta violenta dos opositores/governos e desnecessárias perdas de vidas).
E até os catalisadores dos protestos de 2019 foram, em alguns países, bastante modestos: na India foi o preço das cebolas, no Sudão o preço do pão, no Libano um imposto sobre a aplicação 'What's App', no Irão, o preço da gasolina e no Chile o preço dos bilhetes de comboio. E se em Hong Kong/China e na França os manifestantes mantêm-se como enclaves decisivos para forçar a mudança de políticas governamentais, no Sudão, Iraque, Líbano, Algeria, Bolívia e Peru, os protestos removeram ditadores e até governantes eleitos.
Os manifestantes de 2019 usaram a resistência civil, a pacificação e a voz como instrumentos efetivos de protesto. Mas as comunicações tambem ajudaram. A tecnologia e aplicações de telemóvel solidárias, como o What'sApp, ajudaram a difundir 'a mensagem' e garantir o anonimato, o que gerou mais contágio, empatia e envolvimento popular. Os protestos estão também cada vez mais despolarizados, afectam cada vez mais maiores franjas da sociedade, independentemente da ideologia.
O mais curioso, é o aumento de protestos coincidir com o aumento da abstenção no planeta, segundo o International Institute for Democracy and Electoral Assistance; isto significa que os cidadãos estão a votar com os pés na rua, em vez de esperar por eleições. Sociologicamente, os manifestantes tendem a confiar cada vez menos no sistema eleitoral e mais nos seus companheiros de causas, meros cidadãos comuns, sem hábitos de liderança ou percurso politico - uma composição social que gera movimentos não hierarquizados, de comunhão, onde todos são líderes e não se deixam representar nem liderar de fora.
Paolo Gerbaudo, sociólogo de política do King's College, Londres, avisa que estes protestos "não são meras crises passageiras do sistema", solucionáveis pela negociação tradicional, mas significativos indicadores no sismógrafo da próxima crise global, voos de ventos que anunciam tempestade no horizonte.

7. Sinais de fogo para 2020

A par com das ameaças do FMI há outros profetas que avisam para o mesmo futuro de conflitualidade social. O analista político Verisk Maplecroft prediz que "75 dos 195 países do planeta experimentarão algum tipo de desordem social" neste ano de 2020. Um aumento de 47 países, traduzidos estatisticamente em 40%. Maplecroft prediz ainda que o nível de conflitualidade tenderá a aumentar, em comparação com os de 2019, porque os governos tendem a ser mais draconianos e militarizados o que fomentará a radicalização dos protestos.

A Rússia, China, Brasil, Arábia Saudita, Turquia e Tailândia são os paises onde se esperam mais desordem pública. Maplecroft adverte para o papel de empresas de comunicação (Twitter, Facebook, Google, etc.) que tendem a agir em cumplicidade com as autoridades, contra direitos humanos e constitucionais dos manifestantes e por isso inflamam ainda mais os protestos. Como denuncia a contratação, pelos governos, de empresas de segurança privada, que agem perversa e dubiamente durante os protestos, quer como agentes da ordem, quer como inflamadores de mais desordem e discórdia – que aumentam a duração dos conflitos e alargam os seus contratos.

Conclusão

O FMI e seus acólitos nos media avançam e recuam na propaganda. Num mês vai haver uma recessão, no mês seguinte vai haver prosperidade. Os dados nunca são objectivos. No entanto, devem ser consideradas as advertências, depois de conhecermos os tumultos sociais em 2019 e os previstos para 2020.
Nos meios da analise económica fala-se, há anos, de uma crise planeada para 2020. Seria um efectivo plano da elite financeira que se propunha destruir este sistema grotesco que apenas gerou insana e impagável divida. Mas seria uma destruição dramática, com acontecimentos programados como ataques terroristas, hackers ou até catástrofes naturais que forçassem o colapso do sistema e a sua legitimação na opinião publica. O alarme do vírus Corona é um indício desse plano. De facto, o sistema económico vai mudar, sim. Mas não dramaticamente, nem a favor dos bancos centrais que apenas geram dívida, mais impostos e crises. Vai mudar pela mão dos paises soberanos como os EUA ,de Donald Trump, e o Brexit de Inglaterra. Estes paises serão apenas os pioneiros de uma vaga política que aumentará a soberania dos paises, elaborará tratados comerciais bilaterais, privados, sem a presença de tutores dos bancos centrais do FMI, BCE ou World Bank.
Irão haver tumultos e revoltas, porque a grande maioria da população intui e deseja que se mude do sistema económico velho, do endividamento e tributação, da elite de tutores não-eleitos dos bancos centrais, para um novo, baseado nas decisões do povo, que elege representantes para estabelecerem acordos bilaterais e multilaterais entre países, sem a presença de velhos padrinhos da 'Camorra' não-eleita.
Alguns países e organizações terão interesse em tumultos sociais e cenários apocalípticos. Isto, para desviar a atenção da sua responsabilidade em matéria económica e social. O BCE e o FMI dirão á opinião publica que os problemas futuros serão atribuíveis aos nacionalismos, populismos, Trump e às revoltas nas ruas, quando são apenas imputáveis aos seus elitismos não-eleitos, tutoriais, do seus oligarcas financeiros.
Que nunca tiveram os pés no chão.


deveza.ramos@gmail.com











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